O pedido de renúncia de Alexandre Soares dos Santos do cargo de chairman da Jerónimo Martins é uma espécie de segunda fase, e conclusão, de uma renovação dos líderes dos principais grupos empresariais em Portugal. Necessária, e que exige um processo de sucessão, familiar ou não familiar, competente para assegurar o futuro de grupos que, como a Jerónimo Martins, são centrais numa economia que só pode contar com os privados.
A reacção dos mercados à decisão de Soares dos Santos é o melhor elogio à forma como o líder do grupo, há mais de 45 anos, preparou as mudanças na gestão. Os investidores não fugiram do 'papel' Jerónimo Martins, não se assustaram com a sua saída do conselho de administração da empresa que hoje é liderada, do ponto de vista executivo, por um dos seus filhos, Pedro Soares dos Santos. A Jerónimo Martins já não é uma empresa familiar, é uma multinacional. Ganhou, ontem, definitivamente, a sua independência.
Alexandre Soares dos Santos preparou a sucessão com tempo. Foi, até, capaz de entregar a gestão executiva, primeiro, a um gestor profissional fora do universo familiar - Luís Palha da Silva, hoje na Galp, e que fez um excelente trabalho na companhia - para dar mais tempo ao filho escolhido para lhe suceder. Era, na cabeça de Soares dos Santos, uma questão de tempo, mas nunca o escondeu. Ao contrário, por exemplo, de Belmiro de Azevedo, que preparou a sucessão familiar, com Paulo Azevedo, mas nunca a confessou publicamente até ao dia em que anunciou essa escolha.
O líder da Jerónimo Martins é, inquestionavelmente, o responsável pelo sucesso de um grupo familiar em Portugal e no mercado internacional. Também falhou, por exemplo no Brasil, mas soube aprender com os erros, rapidamente. Sobretudo a partir do momento em que deixou de ser presidente executivo, assumiu uma intervenção pública muito activa, e muito crítica dos líderes do País, políticos e económicos, no fundo, do grupo a que o próprio pertence.
A Jerónimo Martins, como a Sonae, é um exemplo de uma sucessão que é familiar e também profissional. Pensada e definida com tempo, sem vazios de poder. Pedro Soares dos Santos e Paulo Azevedo tiverem um nível de preparação para assumirem as responsabilidades que têm hoje que nenhum dos seus pais teve. Vivem, é certo, um ambiente de incerteza e de volatilidade sem paralelo, de mudanças rápidas e até imprevisíveis, mas têm também condições de gestão e equipas, uma estrutura profissional e competências para dar continuidade ao crescimento dos grupos que herdaram.
A sucessão nas empresas portuguesas está a fazer-se, já saíram Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo, sairão, mais cedo ou mais tarde, de funções executivas líderes como Américo Amorim, Ricardo Salgado ou António Mota, entre tantos outros. É um desafio que se coloca aos próprios, isto é, saberem sair no momento certo, mas também a uma estrutura empresarial que ainda tem um peso muito significativo de grupos familiares, maiores e mais pequenos, que têm de sobreviver à saída dos líderes que mandaram nos últimos 30 anos.
PS: António José Seguro afirmou-se satisfeito com a proposta de eurobonds dos técnicos do FMI. Partilho dessa satisfação, porque as eurobonds permitiriam partilhar o risco-país e, assim, diminuir a factura com os juros da dívida pública. Mas é preciso acrescentar, coisa que Seguro não fez, que isso só poderá corresponder a uma maior partilha de decisões nacionais, particularmente do próprio Orçamento do Estado, que terá de ser aprovado em Lisboa, pelos deputados eleitos, mas também por fontes de poder não eleitas pelos portugueses, em Bruxelas, e até, é claro, por outros governos, em sede de eurogrupo. E nada disto diminui a necessidade de cortar na despesa e garantir um saldo orçamental primário positivo.