No dia em que Portugal liquidou mais de cinco mil milhões de euros de dívida pública, a hipótese de segundo resgate está cada vez mais presente, uma contradição que é apenas aparente. Os investidores, os mercados, aqueles que tantos desdenham, em actos e omissões, desconfiam da capacidade do País de continuar o rumo que foi seguido, levaram um murro no estômago em Julho com a crise política, assustaram-se com as decisões do Tribunal Constitucional e só ouvem falar em pedidos de flexibilidade das metas de défice e de dívida. O que querem?
Se Portugal precisar de um novo apoio financeiro a partir de meados de 2014, é evidente que o Governo falhou. A avaliação política da acção de Pedro Passos Coelho, justa ou injustamente, vai medir-se pela conclusão do programa de ajustamento até Julho do próximo ano, e pela recuperação da independência financeira. Mesmo com a rede do BCE. Dito isto, Portugal não está pior hoje do que estava há três meses quando os juros da dívida pública a 10 anos estavam na casa dos 5%. Está, há cerca de duas semanas, acima dos 7% de forma consistente. Melhor, está pior num aspecto central: a confiança.
O Governo ainda pode escapar ao segundo resgate, mas já não depende apenas de si. Tem, seguramente, de fechar a oitava e nova avaliações com a 'troika' e tem de apresentar um Orçamento de Estado credível, seja com um défice de 4%, seja com 4,5%. O problema não é esse meio ponto percentual, é o que está por detrás desta discussão, indesejável neste momento. O problema é que o Governo, mas também o PS, no fundo o País, têm de garantir aos credores internacionais que o caminho vai manter-se, com maior ou menor ritmo. E sem matar a economia.
Ora, se não há ninguém no espaço público e publicado que defenda as vantagens e virtudes do segundo resgate, nem todos são coerentes entre as políticas que defendem e as que são necessárias para evitar a necessidade de Portugal recorrer a um novo financiamento de credores institucionais. Não é possível afirmar, em simultâneo, que o segundo resgate é um falhanço e recusar a austeridade, qualquer tipo de austeridade, como faz António José Seguro. O mesmo que assinou o tratado orçamental ao lado dos partidos que suportam o Governo, um tratado que obriga a reduzir o défice.
Um segundo resgate, a necessidade de mais dinheiro para o Estado assegurar os seus compromissos, corresponderá a mais medidas de austeridade ou, no limite, a uma reestruturação da dívida pública. Venha o diabo e escolha… se houver escolha.
A discussão em torno dos valores do défice público nos termos em que está a ser feita é absolutamente estéril, pior, é negativa para Portugal, porque acentua as desconfianças, afasta-nos da Irlanda, como se constata da evolução das 'yields' das obrigações dos dois países. Portugal está a perder esse comboio e, se quer recuperar um lugar na carruagem da frente, e fugir da Grécia, tem uma questão central a resolver, que, neste momento, é condição necessária mas poderá não ser suficiente. Só é possível reduzir a dívida pública de forma consistente se Portugal garantir saldos orçamentais primários positivos. Se reduzir a despesa para valores abaixo das receitas fiscais e não fiscais recorrentes. Ainda estamos longe disto. E, para quem não percebe isso, basta ler o Wall Street Journal para ficar esclarecido. Aliás, uma resposta a um artigo como o que foi ontem publicado exige, pelo menos, três road-shows nos mercados internacionais.
Sim é preciso que o Governo faça a sua parte, é urgente que Tribunal Constitucional ajude ou, pelo menos, não prejudique, mas também é preciso que o PS dispa a sua farda de oposição radical. Não precisa de fazer um acordo de regime, não precisa sequer de hipotecar a sua 'oposição', mas precisa de assumir-se como alternativa ao PSD e deixar de preocupar-se com o PCP e o Bloco de Esquerda.