A estratégia de negociação do Governo com a 'troika' mudou, e Cavaco Silva parece alinhar com Paulo Portas na responsabilização dos credores internacionais pelo que vai suceder ao País depois da oitava e nova avaliações que começaram formalmente ontem. O Governo, a partir de agora, não quer aparecer sozinho na fotografia da austeridade.
Na primeira fase do programa de ajustamento - e no início da actual legislatura - o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e o ministro das Finanças Vítor Gaspar assumiam que as medidas mais difíceis seriam sempre tomadas, mesmo que a 'troika' não estivesse em Portugal. Vivíamos o tempo da fé na austeridade virtuosa e, por isso, porque era necessário recuperar rapidamente a confiança dos mercados, o Governo era mais 'troikista' do que a própria 'troika'. O programa de ajustamento foi executado da pior forma do ponto de vista da redução do défice, assente num brutal aumento de impostos que tornou a austeridade mais recessiva do que seria necessário. Gaspar percebeu isso e foi embora, Paulo Portas percebeu isso e quis ir embora. Passos Coelho percebeu isso, mas aguentou, e mudou o discurso.
O novo ciclo, que começou depois da crise política do Verão, trouxe um novo modelo de governação, uma nova relação de poderes e novos equilíbrios entre o PSD e o CDS. Trouxe, também, um Presidente da República que aproveitou para se distanciar, ou, pelo menos, tentar.
O novo vice-primeiro-ministro não demorou a mostrar uma nova forma de negociação, arriscando o que o primeiro-ministro não quis arriscar. Por sua causa, por causa da nova estratégia do Governo, Paulo Portas afirmou no Parlamento que a meta do défice público para 2014 deveria ser revista, de 4% para 4,5%. Portas sabe do que fala. Se a redução do défice este ano não está assegurada, a de 2014 é virtualmente impossível de cumprir. A novidade é que Portas ensaiou esta estratégia dias antes da nova avaliação da 'troika'. As respostas, negativas, como se esperava, fazem-nos perguntar porque é que Paulo Portas decidiu fazê-lo.
A resposta é mais simples do que parece: acabou o Governo mais 'troikista' do que a 'troika'. Agora, o 'novo' Governo fará o mínimo necessário para recuperar a credibilidade externa do País e tentará o que for preciso para aproveitar a necessidade que a própria 'troika' tem de garantir um sucesso do programa de ajustamento português. Isso passa, também, por deixar de ser o aluno obediente que foi até agora.
Passos e Portas não querem, nem podem, partir a corda com a 'troika', e Cavaco também sabe isso. Mas querem que os portugueses saibam que, por eles, o processo de ajustamento vai ser dilatado, para não acabar com a possibilidade de recuperação da economia, que já teve os primeiros sinais positivos.
O Governo conta com a pressão da opinião pública, e a ajuda de Cavaco Silva, para ganhar espaço de negociação com os credores públicos, leia-se o FMI, a Comissão Europeia e o BCE. A pensar no programa cautelar que aí vem ou, no pior dos cenários, num segundo resgate. E a pensar nas próximas eleições, porque já é claro que Passos Coelho e Paulo Portas não se estão a lixar para as próximas eleições, não as de 29 de Setembro, mas as próximas legislativas.